quinta-feira, 26 de março de 2009

Essência

@A

“A terra mais portuguesa de Portugal”

Lia-se gravado numa tabuleta de madeira já velha, gasta pelos anos e pelos inúmeros olhares que aqui repousaram.


Não sei se será verdade e não sei mesmo até que ponto tal se pode afirmar, mas o facto é que quem por aqui passa fica com a sensação de voltar atrás no tempo, de ser de novo um campesino velho, vivendo apenas entre o gado e a horta de sua casa.
Pequeno pedaço de Minho, escondido entre as montanhas abruptas, imponentes, senhoras de um mundo só seu que muitas vezes não querem revelar. Talvez por medo que um olhar menos atento banalize o seu esplendor, talvez porque há cumplicidades tão fortes que são impossíveis de emprestar a um mero passageiro.
Neste pequeno recanto tudo é assim, um constante diálogo entre o Homem e a Montanha, diálogo feito numa linguagem única, ancestral, quase imperceptível, já quase esquecida... Diálogo esse cada vez mais difícil, a pouco e pouco transformado num monólogo surdo da montanha socalcada esperando novos tempos de fertilidade, do espigueiro vazio mas robusto empenhando a sua cruz de Cristo mazelada, num céu incerto, da casa nascida da pedra, granítica e fria, de janelas minúsculas e portadas já desbotadas, das ruas estreitas que rompem um mundo de memórias esquecidas...
Todo um refugio silencioso, onde o tempo tem tempo e preguiça de correr, revelou-se para mim desta forma solitária, que me fez sentir saudade de algo que já foi e não vivi.
No entanto, onde nada é transparente, a terra vai-se revelando a pouco e pouco, tímida e desconfiada, a quem deseja ficar um pouco mais, sentir um pouco mais e ver com um olhar minhoto. E assim, á medida que fui rompendo pelas ruas de calçada reparo num fino fio de água que corria, segui-o... vinha lá de cima, de um tanque comum usado á pouco. Perto passeavam despreocupadas as galinhas, procurando sempre algo mais que comer. Pequenas escadas pontuadas por vasinhos de gerânios vermelhos...vivos. O mugir de uma vaca tranquila com a minha passagem deu-me ainda mais vontade de continuar e ver que afinal ainda restavam botins de couro descansando á porta depois de uma manhã de trabalho, um guarda-chuva já pendurado no alpendre não vá o tempo fazer das suas, a roupa no estendal balançando ao ritmo do vento da montanha... E as pessoas? ...Descansam dentro de suas casas, afinal de contas são quatro da tarde, é a hora da sesta.

Cá fora, deitado no tapete de entrada, um velho cão sonolento mirava meus passos... um olho aberto, outro fechado, numa serena simpatia e generosidade.

Esse cão chamava-se Brufe, tal como a terra, tal como eu quando de lá parti.

Junho 2007

...S


2 comentários:

  1. á la Torga...

    fizeste-me lembrar os tempos da escolinha...

    A.B

    ResponderEliminar
  2. Muito bom. Mesmo muito muito bom!

    ResponderEliminar

hum...