terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Ao dia


@A



Ao momento dado a recordar, por ser sempre presente.
Rastilho da manhã, onde deslizam as cores da saudade e se cozinham as ideias do encontro.

Poderá ser tempo. Poderá ser campo. Poderá ser... Voltar.

Pelo toque do ar ao desenho do caminho, vamos.

...A

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Regresso


Invade o sol o meu descanso e acordo.

Já não estás aqui. Tem menos presença o quarto. Menos calor, menos conversa, menos.

Fica a recusa de sair ao dia.

Balanço na cama, como canoa em maré agitada, e reparo no chão.

Os teus ténis ficaram. Dos detalhes só tu sabes e eu sorrio. Afinal estás cá.

Posso assim, tranquila, começar a decompor o tempo em alegria.

Obrigado pelo recado. Já vou.

...A

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

sábado, 12 de setembro de 2009

Jardim

Acordei a pensar em ti. E a pensar em te escrever. Para te sentir mais perto, para contrariar as leis da latitude e longitude que dizem que estamos longe...
Desço da cama com o fio às voltas no pescoço. Balouça na minha pele e leva-me a sonhar com o nosso jardim. Farfalhudo. Um pequeno bosque que será o baú dos nossos segredos e a primavera das nossas alegrias.
Aqui as gotas de água riem-se nos meus dedos e a terra desenha pequenos sulcos com o meu andar. Desvio as folhas das árvores que escondem o sol, levo o cansaço do dia à cadeira e deito-me no chão. Fecho os olhos e estou no nosso jardim.
Tu cuidas das plantas e retiras com cuidado as ervas em seu redor. O cão brinca com os pássaros. As árvores reclamam companhia na sombra das suas copas. Contamos uma à outra o nosso dia e descalças pela relva rimos. Não nos preocupamos com o tempo e nem com o anoitecer. Saboreamos o vento a passear-se nos arbustos. Espreguiçamo-nos no regaço uma da outra deixando lá fora o barulho do mundo.
Já é noite. As estrelas escondem-se e o dia despede-se. Volto para dentro. Da casa de agora, da saudade de sempre...
Até já...



...A

sexta-feira, 5 de junho de 2009

@A

Saudades da cor da rua quando passas
Saudades do cheiro do nosso quarto

Saudades de trocar o bem pelo mal
Saudades de não pensar

Saudades de ontem... de amanhã
Saudades de ir contigo
Saudades de te esperar...

Saudades do ser e não ser
Da eterna ambiguidade de amar

Saudades do momento presente
Saudades do para sempre

Saudades de mim.

Hoje viajo sozinha.


...S

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Entra

@S
Será assim? Uma única fronteira? É.

E daí não passa, não avança e não tem de.
Só tu encontras a perenidade da matéria.
E a tua caligrafia move-se na ficção das imagens.

Extraviam-se as minhas palavras porque os meus pensamentos são lentos.

Vou remando pelo glossário dos teus vestígios que não se perdem durante as nossas idas e vindas.
Espera… Venho já.
...A

quinta-feira, 26 de março de 2009

Essência

@A

“A terra mais portuguesa de Portugal”

Lia-se gravado numa tabuleta de madeira já velha, gasta pelos anos e pelos inúmeros olhares que aqui repousaram.


Não sei se será verdade e não sei mesmo até que ponto tal se pode afirmar, mas o facto é que quem por aqui passa fica com a sensação de voltar atrás no tempo, de ser de novo um campesino velho, vivendo apenas entre o gado e a horta de sua casa.
Pequeno pedaço de Minho, escondido entre as montanhas abruptas, imponentes, senhoras de um mundo só seu que muitas vezes não querem revelar. Talvez por medo que um olhar menos atento banalize o seu esplendor, talvez porque há cumplicidades tão fortes que são impossíveis de emprestar a um mero passageiro.
Neste pequeno recanto tudo é assim, um constante diálogo entre o Homem e a Montanha, diálogo feito numa linguagem única, ancestral, quase imperceptível, já quase esquecida... Diálogo esse cada vez mais difícil, a pouco e pouco transformado num monólogo surdo da montanha socalcada esperando novos tempos de fertilidade, do espigueiro vazio mas robusto empenhando a sua cruz de Cristo mazelada, num céu incerto, da casa nascida da pedra, granítica e fria, de janelas minúsculas e portadas já desbotadas, das ruas estreitas que rompem um mundo de memórias esquecidas...
Todo um refugio silencioso, onde o tempo tem tempo e preguiça de correr, revelou-se para mim desta forma solitária, que me fez sentir saudade de algo que já foi e não vivi.
No entanto, onde nada é transparente, a terra vai-se revelando a pouco e pouco, tímida e desconfiada, a quem deseja ficar um pouco mais, sentir um pouco mais e ver com um olhar minhoto. E assim, á medida que fui rompendo pelas ruas de calçada reparo num fino fio de água que corria, segui-o... vinha lá de cima, de um tanque comum usado á pouco. Perto passeavam despreocupadas as galinhas, procurando sempre algo mais que comer. Pequenas escadas pontuadas por vasinhos de gerânios vermelhos...vivos. O mugir de uma vaca tranquila com a minha passagem deu-me ainda mais vontade de continuar e ver que afinal ainda restavam botins de couro descansando á porta depois de uma manhã de trabalho, um guarda-chuva já pendurado no alpendre não vá o tempo fazer das suas, a roupa no estendal balançando ao ritmo do vento da montanha... E as pessoas? ...Descansam dentro de suas casas, afinal de contas são quatro da tarde, é a hora da sesta.

Cá fora, deitado no tapete de entrada, um velho cão sonolento mirava meus passos... um olho aberto, outro fechado, numa serena simpatia e generosidade.

Esse cão chamava-se Brufe, tal como a terra, tal como eu quando de lá parti.

Junho 2007

...S


quinta-feira, 19 de março de 2009

4 dedos de conversa

@S


Uma mesa que espera por nós.

A luz a dourar o apetite da partilha verdadeira.
O miolo da tua sede ancorado ao sal da verdura.
As conversas que giram em sorrisos, o prazer de deixar a grafitte alimentar os sabores.

O teu trapézio escorrendo no azeite.
No prato as sombras de intermitente paraíso.
Gelado de toque, olfacto de chocolate, visão de bailarina.
Em casa, a família.
...A

terça-feira, 3 de março de 2009

A noiva

@S


O sino não se mexe. Ansioso, vai-se distraindo com a corda, pedindo acção.
A ermida espera-te e só o vento te chama.

Estarás escondida entre o véu da tua conquista?
Na torre mais alta do castelo, senhora dos teus medos, as palavras fugiram até às mãos.
Elas tremem. Elas temem-te.
O tempo foi, requisitou a sua direcção.
Ainda hoje o sino tacteia a parede.
Ainda usas o vestido?

As palavras dormem nas muralhas.
E dizes… sai. Sai das paredes e vem ter comigo à almofada.
...A

segunda-feira, 2 de março de 2009

O dedal

@S

Oferta aleatória em teimoso pingo de chuva.
Já percorrido o granito polido. Já repetido o percurso.

Já coisas.
Para teu pai suporte de um calor que se bebe. Para tua mãe suporte de segredos, gracejos femininos ao toque delicado de uma flor.

E para ti?
Outra coisa. A juntar a tantas coisas. Pequena, quase meiga ao fechar da mão.
A tua antecipada face estranha.
A resignada melancolia que se entranha.
O tempestuoso amor que ganha.

Dou. Dado. Atira e lança a nossa sorte ao mar.
Sina sulcada na terra.
No dedal a lua. Deslizando em mel esboçado em sol. Maior.

...A

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Paraíso do nada

@A


Aqui tudo é o que foi, tudo será o que é.

Os ponteiros do relógio são marcados pelo pequeno rato que morreu preso na persiana da tia Alexandra. Quando reparei, estava intacto, como se dormisse. Todas as vezes que voltei era ele a primeira coisa que queria ver... Hoje nem os ossos frágeis restam e eu continuo a voltar.
Tudo o resto fica, tudo o resto permanece.

Os passos que dei outrora são agora marcas no solo pobre, tal como a pedra que atirei ou o ramo que transportaste durante horas como se fosse o teu maior troféu... Tudo se mantém, tudo é passado e eu continuo a voltar.
Volto para o conforto do conhecido e deixo-me estar durante... sob o olhar atento daqueles que testemunham os meus regressos.

Pergunto-me: Agora que o pequeno rato desapareceu, ainda haverá tempo neste espaço?

...S

...

@S

...de quantos precisamos para nos sentir seguros?
...quantos precisam ser transpostos para nos (re)conhecermos?
...quantos se abrem e fecham num segundo mostrando-nos um paraíso inatingível?
...será esse segundo suficiente?
Preciso de chaves...
...já mas deste?
será que as perdi?...
...S

Passeio

@S


Fui ao entardecer no campo.
Ofegante pela partida, desvanecida à chegada.
Deitei-me no chão por arar... E como é macio o meu estrado. Desço os dedos sobre a terra. Não me ouço e estou bem. Ao redor o barulho é intermitente. Um pouco de pássaro que volta, um pouco de cão que avisa.


Qual o sentido do sol?
Não o escuto, a não ser quando a areia e a água me invadem a boca.
Não o cheiro a não ser quando as espigas se espraiam pelo vento.
Não o toco, apesar de a minha mão se aquecer quando toco no teu rosto pela manhã.
Como a matéria a que dá vida mas não sei a que sabe.
Só o vejo e ainda assim não lhe chego para o definir.
Os ramos tingem-se de preto no teu adeus. Todos se resguardam.
E na tua descida lá se vai o meu último pensamento.


Amanhã falamos melhor.


...A